Sou uma fachada
Sem janelas e portas
E mesmo à entrada
Tenho extensas raízes mortas.
Sem teto, paredes e chão,
A chuva mina-me os alicerces.
Em vista de tão ténue construção;
Treme! Aí tens o que mereces!
Ânsia
Almejo a rude dureza,
Desejo a insensível aspereza,
A bruta rispidez e a incómoda franqueza.
Desprezo a voluptuosa macieza
Que me doura os sentidos,
Abomino a suavidade que reveste esta tristeza
E a enganosa ternura que me adoça estes sonhos perdidos.
Estupidez
Como herdei esta estupidez
É algo que me ultrapassa;
Destino, fado ou insensatez,
O certo é que a razão é escassa.
Anseio pela conformidade da vida prática,
Despojar-me deste corpo emotivo
Aplicando com rigor a velha máxima
Do claro, correcto e conciso...
Como Se Fosse Um Pássaro
A proteção de duas almas aladas
O pequeno pássaro rubro não teme,
Os raios intensos de frases cortadas,
Só com essas mágoas dispersas ele freme.
Enquanto vive é àgil e certeiro,
Canta e chora, sussurra e grita.
Quando chega é novo e sempre o primeiro,
Ao partir imortaliza a saudade que fica.